A Música de um desfile

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A Música de um desfile

Um desfile não é um fim, é um início.

Quando começo a criar uma coleção que, mais tarde, será apresentada num desfile, vejo o apogeu desta muito além da passerelle.

Antes da roupa vestida, da maquilhagem perfeita, do cabelo impecável e do andar seguro sucede-se uma multiplicidade de sonhos e ações, que germinam ao desfilar. Mas as flores e os frutos só se cheiram e se provam muito depois.

Enceto num conceito, ainda etéreo. Sonho através de uma musa que me embala as ideias e caminho pela utopia de uma coleção que ainda não é real, exceto no coração. E penso nela noite e dia, como um imberbe apaixonado… Imagino-lhe as cores e os materiais, os translúcidos e os opacos, as luzes e as sombras.

As mãos tomam-me conta do pensamento e dão vida ao papel, num esboço que se deita numa folha, como que sonolento, depois de me percorrer o espírito. E daqui se aprimoram os detalhes e os pormenores que não são nada, mas são tudo.  Depois deste namoro e de um sono reparador numa folha de papel, o esboço acorda. A modelagem dá-lhe o corpo material que ainda não tinha e a gestação culmina ao tato e ao ondular dos tecidos num corpo vivo.

As peças nascem, uma por uma, até poderem ser apresentadas ao Mundo.

Mas, até à revelação de uma coleção, num desfile, é preciso montar cuidadosamente um puzzle perfeito e melodioso que percorra a passerelle como a pauta de uma melodia afinada.

Cada peça é determinante para o quadro e para a materialização da visão outrora sonhada.

É preciso perceber como se vai contar a história do meu sonho. Qual a ordem em que as peças serão apresentadas, como se complementam, como se ligam entre elas e como contar esta história começando no “Il était une fois” e terminando no “Fin”.

A envolvência do espaço reúne uma multiplicidade de especialistas. Importa saber o cenário, o formato da passerelle, a iluminação, o som, a decoração… Sonoplastas, modelos, cenógrafos, decoradores, designers de iluminação, todos juntos, como numa reunião a caminho de Bremen, comandados pela batuta da harmonia.

É, então, altura de sentir quais as auras que vão vestir cada uma das peças e regista-se esse momento em fotografia, como que para construir um mapa do tesouro onde nada se perca, nem tampouco se transforme.

Chegado o dia do desfile…

…a música começa com burburinho e corações acelerados, como metrónomos para a canção que as peças irão interpretar. Todos a postos, todos afinados e cada um com a sua nota musical. Como uma orquestra, incorporam esta vitrine viva, onde se vê caminhar o que já esteve apenas no reino da minha imaginação.

Mas, quando a batuta pára, a música continua a tocar. Porque a coleção ainda canta.

Um desfile não é um fim, é um início.

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